10 novembro, 2013

O açude do DNOCS (Custódia) e o Bolsa Família - Autor Fernando Florêncio


Em alguns momentos, me surpreendo fazendo analogias silenciosas, às vezes olhando pro meu próprio umbigo, sobre procedimentos diferentes para ocasiões semelhantes. Acordo daquela letargia, tendo a certeza que ao atingir a sexagenaridade (isto existe ?) consegui viver em dois mundos totalmente, diversos um do outro.

Li recentemente, que um coronel sobrinho do Ex – presidente Castelo Branco, recebera um carro Aero Willis de presente, por ter prestado algumas intermediações para uma grande empreiteira. Nada que se assemelhe aos favorecimentos e roubalheiras que na atual conjuntura são perpetradas por nossos homens públicos.

O Presidente Castelo, sabedor daquela benesse para o seu sobrinho, coronel e assessor, convocou-o ao gabinete e obrigou-o a devolver carro imediatamente, e que ainda ia pensar se mandaria prende-lo, ou lhe daria apenas uma “puniçãozinha” com o afastamento do cargo e suspensão da promoção a general.

Diferentemente dos tempos atuais. Todos sabem. Estávamos na segunda metade da década de 50. 

1956, início do governo Juscelino Kubitschek, que se estenderia até 1961, com um programa de metas de “50 anos em 5”. Naquele período, abateu-se sobre o nordeste, principalmente na área do Moxotó uma estiagem inclemente. Três anos sem cair uma gota d água naquela região. O êxodo do campo para a cidade era gigantesco para os parâmetros da época. Custódia, assim como as cidades vizinhas, “incharam” de retirantes. Pedintes pelas calçadas, farrapos humanos expostos à caridade pública. Aquela horda de andrajosos iniciou os saques às barracas, ao comércio instalado e aos feirantes.

Entra em cena o Governo JK. O Rio Moxotó, mesmo não sendo perene, quando em tempos de cheia, traduz-se num dos principais afluentes do São Francisco. Torna-se um rio caudaloso, pujante e salvador das lavouras dos ribeirinhos.

FRENTES DE EMERGÊNCIA 

A visão estratégica dos administradores da época, enseja o início da construção da grande obra que viria a ser a redenção da falta d água em Custódia. Dar trabalho, gerar o que fazer para aquele povão, era prioridade imprescindível e urgente.

Enfim, os jumentos de “Capitão” que transportavam em ancoretas, a água do Sabá para os mais abastados, seriam “aposentados”.

Meu pai Zé Daniel, alistou-se como “Cassaco”, que era o nome dado aos trabalhadores naquelas frentes de emergência. E eu me alistei como “meio Cassaco”, percebendo a metade do ganho dos adultos. 

Tinha apenas 14 anos. Despertava às quatro da madrugada, andava seis quilômetros (uma légua), até o açude MARRECAS. O toque da “cachorrra”, uma roda/jante de caminhão pendurada num pé de umbu, recebia uma dúzia de marretadas chamando todos para o eito. Era a sirene dos “Cassacos” e seis e quarenta e cinco. As sete, cada um no seu trecho. 

Como alimentação, para muitos “Cassacos” entre eles “Euzinho,” apenas dois punhados de farinha e um pedaço de rapadura. Às vezes, um pedacinho de ceará (carne seca). Hoje comida nobre. Não tenho notícia que algum “Cassaco” tenha morrido por ter trabalhado muito e comido pouco. Aliás, não conheço ninguém que morreu “de trabalho”.

Mesmo naquela tenra idade, para que fizesse jus ao meio salário, Eu, ou qualquer outro “Cassaco”, precisava cumprir a tarefa do dia:

CAVAR COM PICARETA/CHIBANCA O LEITO DO RIO, ENCHER COM A TERRA E TRANSPORTAR PARA A PAREDE DO AÇUDE, CINQUENTA CARRINHOS DE MÃO.

Cumprida esta meta, poderia ir embora. Não importava que horas fosse. Às segundas feiras, recebia o pagamento da semana. Passava a metade para minha mãe, e com todo orgulho “detonava” o resto com cocada de cafofa de umbu e com a “gelada” daquele cabra de Sertânia. Orgulhava-me daquele mirrado, mas honesto dinheirinho. Mais merecido, impossível. Assim, logo cedo, aprendi que o trabalho dignifica a pessoa.

Fernando Carneiro também foi “Cassaco” só que com o privilégio de ser fiscal apontador. Naquela época existia um sabonete cujo marca era Vale Quanto Pesa.

João Elizeu e Rubinaldo, igualmente, viveram aquela epopéia. O João e o Rubi, faziam o trajeto para o Bom Nome, local da construção do açude, por uma via alternativa. Pegavam a picada aberta no mato para passagem da linha do telégrafo, que começava perto do campo de futebol, passava pertinho da obra, e daí até o infinito. Andavam menos, os dois malandros.

O João trabalhou apenas uma quinzena, descobriram (ou deduraram) que ele era filho de funcionário público, portanto não se encaixava entre os necessitados. Que cedesse o lugar para quem realmente precisasse. Mas ainda ganhou dinheiro suficiente para comprar uma alpercata de solado de pneu, toda trançada de vaqueta amarela e cheia de pregos. Era a famosa “vasta pra lá boi chôco”!

Rubinaldo demorou um pouco mais. Antonio do Posto, segurou Rubi o que pode nas frentes de emergência. Antonio do Posto era enfermeiro e médico dos “Cassacos”. Este foi o primeiro mundo com o qual convivi. Aliás, convivemos. A obra do açude levou muito tempo para ser concluída. É que após alguns meses, começou a roncar trovoada e a chover em toda região. Como que por encanto, sumiram os “Cassacos” e com eles as ferramentas de trabalho. Cada um levou o que pôde. Muitos caminhões “paus de arara” saiam lotados de ex-cassacos para Sertânia, Arcoverde, Afogados até para Patos e Cajazeiras na vizinha Paraíba.

Foram cuidar cada um da sua roça. Ouvir falar em chuva, nada segura o nordestino fora do seu torrão.

O BOLSA FAMÍLIA

Atualmente, faço um retorno da fita e identifico um mundo melhor. Progresso chegando aos borbotões, a ciência alongando a vida das pessoas, a informática provocando a “miudês” dos continentes. As distâncias se apequenaram e nossa juventude morrendo antes dos trinta anos.

Seria esta a tão decantada era de Aquarius? O progresso é evidente e necessário, mas por algum motivo, (com a palavra os estudiosos) a natureza está cobrando. Sabe-se que Deus perdoa, os homens perdoam, mas a natureza será implacável.

Segundo Nostradamus, ainda existem muitas coisas a serem cobradas pela mãe de todos os mortais.

O EFEITO DO BOLSA. 

O Bolsa Escola, programa social do governo tucano, e ampliado até o infinito nos últimos oito anos, rebatizado de Bolsa Família. Nunca usufruí de nada parecido.

Bolsa Penitenciária (ou seja lá que nome tenha) ampara com mais de um salário mínimo por filho, mulher e filhos do apenado que assassinou qualquer vivente. A vítima, mesmo sendo um excelente pai de família, pagador de impostos, a viúva e os filhos que procurem viver da pensão do falecido. Se a tiver e fizer jus.

Observo pela imprensa que está faltando Médicos Pediatras. Não acredito. O que está acontecendo é o excesso de nascimentos, garotas ainda imberbes estão parindo a torto e a direito para fazer jus ao Bolsa. 

As agências da Caixa Econômica tornaram-se verdadeiros empórios, perderam toda finalidade de banco viável comercialmente. Entendidos afirmam com todas as letras, que a Caixa ainda não “quebrou” porque pertence ao governo.

Este dinheiro dado de graça, recebido pelo favorecido sem ter feito nada para merecê-lo, exprime bem a frase popular, que diz:

SE VOÇE CRIAR SEU FILHO, DANDO A ELE TUDO QUE VOÇE NÃO TEVE, ESTÁ CRIANDO UM MARGINAL.

O relato acima, exprime bem o quanto nossa geração foi e está sendo injustiçada. Premiar os acéfalos em detrimento daqueles que empurram o país em direção ao progresso, é no pior das hipóteses um contra-senso inexplicável, gerando o tipo de postura e comportamento que a seguir exemplifico:

“Aqui, na rua onde moro, em Ilhéus, na Bahia, uma senhora, empregada doméstica de um casal de estrangeiros já a quatro anos, ganhando o salário mínimo cheio, sem desconto algum, carteira assinada com todos os direitos garantidos, ainda com uma folga durante o tempo que os “gringos” viajam , de repente, foi contemplada com o Bolsa, pediu demissão, alegando que: 

É MELHOR FICAR EM CASA SEM FAZER NADA DO QUE TRABALHAR NA COSINHA “DOS OUTROS”.

Ouvi também, na fila da Caixa, um cidadão dizer com todas as letras: “PORRETA! MINHA MULHER GANHOU O BOLSA FAMILIA, AGORA VOU COMPRAR MINHA “BIZ” (MOTO DA HONDA).

Deve ter comprado mesmo. Em suma, com o advento do Bolsa , sumiram os prestadores de serviços, tipo aquele jardineiro que podava as árvores , desapareceram as faxineiras, aquele encanador que “quebrava o galho” da pia vazando, e por aí vai...

Diga-se de relance, tudo sem nenhum demérito. Em todas essas situações, esses quebra-galhos, auferiam um rendimento infinitamente maior que o Bolsa presenteia.

Trabalhador rural transformou-se em “sem terra” criando uma nova instituição de invasores profissionais.

Se este pessoal estivesse freqüentando um plano “B” para em curto espaço de tempo prover seu próprio sustento, sair das expensas das verbas públicas, as quais seriam aplicadas de maneira mais prioritária, eu me conformaria e ficaria até feliz em ter sido injustiçado.

Na minha ótica, o Bolsa Familia, apenas ampliou a malandragem e a institucionalização da preguiça. Felizes estão os donos de bares e botequins.


Assim, analisem o porque do título desta crônica. Coincidentemente feita no dia do trabalho.

Fernando Florencio - Ilheus-BA 
(florêncio.fernando@hotmail.com)

(*) Todo e qualquer texto publicado não reflete a opinião deste blog. São matérias publicadas que refletem apenas a opinião do autor.

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