13 agosto, 2020

Manzualto! Camonebói


Por Jailson Vital de Souza

Era mágico. Eu entrava na casa de Fernando de Laura (Florêncio) sem pedir licença, me dirigia para a pilha de revistas de história em quadrinhos (HQ) que chamávamos gibís e fascinado com tanta diversidade escolhia a que queria ler ou reler e ler mais quantas vezes a revista me convidasse. Era fascinante incorporar os personagens heróis defensores da lei e da ordem. As revistas ainda eram impressas em tinta preta, mas meus olhos de menino davam colorido, davam movimento e davam som a cada quadrinho. 

Eu realmente vivenciava cada história. Os heróis eram diversos. Haviam os cowboys, os meus preferidos, cujo cenário era o velho oeste americano e nomes como Billy The Kid, Cavaleiro Negro, Tom Mix, Zorro, Hopalong Cassidy, Roy Rogers, Rocky Lane, Flecha Ligeira e muitos outros. Na Selva estavam lá atentos, Tarzan, O Fantasma e Jim das Selvas. Na cidade os heróis voadores Super Homem, Capitão Márvel, Capitão América e Centelha Vermelha além da dupla Batman e Robin. Nos mares, o Homem Submarino, no espaço planetário, Flash Gordon e Buck Rogers. Enfim, o mundo naquela época estava protegido dos malfeitores em todos os seus ambientes por esses personagens maravilhosos. 

Hoje, lembro de uma característica interessante. Nunca um herói matou um bandido. No máximo, um tiro era disparado na mão do facínora para derrubar-lhe a arma, estes eram dominados, presos e entregues ao xerife ou outra autoridade policial. Os autores tinham o cuidado de não estimular a violência. Muitos anos depois, com o advento das HQ de lutas marciais é que a violência começou a ser mostrada em suas histórias.

Depois veio o cinema. Zé de Isaías montou uma sala de exibição num prédio que ficava de frente para a Praça Padre Leão, próximo onde hoje é a Câmara Municipal e era a primeira sede ou veio a ser depois, do CLRC (Clube Lítero Recreativo de Custódia). O projetor era de 16 mm e a sessão precisava ser interrompida para trocar os rolos de filme. Tinha sessão apenas nos fins de semana. Foi nesse cinema que assisti: O Homem da Máscara de Ferro, O Conde de Monte Cristo e Os Sinos de Santa Maria, todos em preto e branco, pois o filme colorido ainda era raro. Mas o que mais atraía a meninada e mesmo os adultos eram os seriados. 

Eram filmes curtos de mais ou menos meia hora, semelhantes à novela de hoje, com uma diferença; o “mocinho ou a mocinha” terminava cada capítulo em perigo de vida. Passava sempre depois da exibição do filme semanal. A meninada ficava imaginando e discutindo, o resto da semana, o modo como eles sairiam daquela enrascada. Assim, ninguém perdia o próximo capítulo. O seriado que ficou na minha lembrança foi “Os Perigos de Nyoka”. 

O casal Nyoka e seu companheiro Larry eram os artistas. Todo capítulo essa mocinha caia numa armadilha montada pelos bandidos, era ameaçada por um leão ou uma cobra, despencava de uma cachoeira, era ameaçada por índios e muitas outras situações. Nós, meninos ficávamos apreensivos, torcendo pela nossa heroína.Algum tempo depois, esse cinema passou a ser propriedade de Inácio Germano, onde Osminda Carneiro era a bilheteira.As nossas brincadeiras, na época, incluíam a reedição dos filmes de faroeste com uns sendo os “artistas” e outros os bandidos. 

Brincávamos principalmente na Praça Ernesto Queiroz e em volta da igreja. As armas eram feitas de madeira ou simplesmente imitadas com a mão estendendo dois dedos. Quando algum menino surpreendia outro vinha a ordem de rendição: “manzualto”! Isto é, mãos ao alto. Dizendo assim ficava mais claro, pois a pronúncia MÃOS-AU-AU-TO ficava parecendo um latido. No final com todo mundo rendido fazia-se a conta de quem venceu. Geralmente todos. E para irmos embora vinha a ordem imitando os cowboys: 

“Camonebói”! (Come on boys) – Vamos rapazes.

Pois é. Vamos rapazes, vamos para Pasárgada, ainda dá tempo.

Um comentário:

  1. Que maravilha esse texto, primo Jailson! Suas narrativas são bem envolventes, parece que tem uma máquina do tempo 👏👏👏👏👏😘😘

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