30 março, 2021

Abílio José Duarte - por Marlos Duarte


Por Antônio Marlos Duarte

A história desse homem reflete-se na importância de explorar a memória da família e também da sua cidade, Custódia. Meu avô nasceu no ano de 1888: ano da abolição da escravatura. Percebe-se que o meu avô nasceu algumas décadas antes da emancipação de Custódia como município. Abílio José Duarte nasceu em Cacimba Limpa e foi criado pelo tio José Josino em São João do Leite. Seus pais moravam em Palmeiras dos Índios, no estado de Alagoas, e, por motivos desconhecidos por mim, não criaram meu avô. Vivendo nessa região a sua infância, meu avô foi criado num contexto de bucólico, de fazendas e de sítios. Tendo fazendas para se dedicar a cuidar (visto que seu tio era dono de terras), meu avô sonhava em ser vaqueiro... e foi. Tornou-se o vaqueiro do sítio de seu tio-pai.

Meu avô cresceu e virou o que ele sempre quis na infância: vaqueiro. Num dia, em que corria pelas fazendas que fora criado, Abílio José Duarte corria em alta velocidade com o seu cavalo quando não viu um buraco enorme. Não conseguindo "frear" o cavalo, caiu e ficou, como se diz na nossa linguagem típica, "corcunda". Ele ficou assim até o último dia de sua vida. Com o acidente, deixou de ser vaqueiro para ser outras coisas. Casou-se anos depois com a sua primeira mulher - Enedina Leite - , a qual morreu após uma série de complicações após um parto. Ela deixou filhos, tios meus que já morreram - Joanita, Zezito (Rock Lane), mas outros continuam vivos como Tia Neta e Irene. Passado alguns anos de "viuvez", casou-se novamente. Casou com a jovem Juvina Alves Figueredo, minha avó, a qual permaneceu com o meu avó até o seu último dia de vida. Com ela, teve oito filhos: Gilda, Djanira, Josa, Afonso, João, José, Dorinha e Magaly, esta última minha mãe.

Como Oficial de Justiça, meu avô pregou a Justiça sempre, nunca se subjugando a subornos ou coisas do ramo. Por várias vezes, pessoas que queriam ser privilegiadas em divisões de terras, em heranças, tentavam subornar meu avô querendo "dar um bônus", caso meu avô aumentasse suas posses. Meu avô nunca aceitou a ideia de ser um qualquer corrupto da justiça, sendo reconhecido por todos. Já escutei várias histórias sobre pessoas que hoje são idosas e que, quando jovens, conheceram meu avô e me falaram sobre isso. Sempre escutei histórias sobre Abílio José Duarte como um homem digno, honesto, entendido, inteligente, sábio... incorruptível.

Na Justiça, meu avó já passou por muita coisa como o caso, que sempre escuto com muita frequência, da insistência de Lampião em enfrentar o meu avô. O tio que criou o meu avô gostava muito de Lampião, dando comida e abrigo quando os cangaceiros vinham a Custódia. Meu avô, ao contrário do seu tio-pai, nunca gostou de Lampião e vivia reclamando quando o anti-herói ia se abrigar na casa que fora criado. Lampião soube desse "mal-estar" e passou a afrontar o meu avô, mandando ameaças. Dizem que, quando Lampião chegava em Custódia, meu avô corria. Quando Lampião o ameaçava, ele viajava para outros lugares, inesperadamente. Eu disse que ele era incorruptível, não corajoso com cangaceiros! Enfim, todos os homens têm suas fraquezas... e meu avô não seria diferente! (risos)

Já aposentado, meu avô criava em sua casa um papagaio muito ciumento, que só queria a atenção dele e de mais ninguém da casa. A minha tia ensinava palavrões ao papagaio. Após dias da morte do meu avô, ele também morreu. Eram inseparáveis dentro de casa. Enquanto vivia nessa vida de aposentado, meu avô tinha uma rotina: durante a manhã, caminhava em direção ao Cruzeiro, onde tinha alguns parentes que ia visitar; durante a tarde escrevia muito e, a noite, vivia em casa. Meu avô fez um livro autobiográfico, que se encontra com minha tia, que mora no Estado do Rio de Janeiro. Diversas prosas pequenas meu avô escrevia, todos os dias. Além disso, meu avô era "consultor político". Muitas pessoas iam na casa dele para saber em quem ele iria votar, para votar no mesmo candidato, visto que todos julgavam meu avô "entendido". Quem não gostava desses "conselhos políticos" era a minha avó, que sempre dizia: "Abílio, esse povo só vem na hora do almoço, é? Abílio, deixa de ser besta... esse povo só vem para cá comer!!!" (risos)

Em uma de suas manhãs, foi caminhar e, mais ou menos, de frente onde hoje é a Tambaú (na época era o Posto Texaco) teve o seu destino cruzado com o de uma moça que estava aprendendo a dirigir carro. Inesperadamente, ela atropelou o meu avô, que não resistiu às lesões e faleceu. Era 15 de Dezembro de 1972. Meu avô tinha 84 anos e deixou filhos e a minha avó, que ainda tinha 50 anos na época (hoje, minha avó - Juvina Alves Duarte - tem 89 anos e completará 90 anos no dia 22 de Março). Em 2012, completa-se 40 anos da morte do "Abílio Corcunda", da morte de um homem de caráter incontestável, de índole, de firmeza de ideias, de pensamento e de sonhos. Existe uma rua com o nome "Rua Abílio José Duarte", que fica perto da CIOSAC, na entrada do Bairro Mandacaru.

Foi uma satisfação muito grande compartilhar, mesmo que tão pouco, a história de um homem de ideais. Tenho orgulho de ser neto dele, porque, quando se é adolescente, sempre nós procuramos a quem seguir em pensamento, vendo as histórias de seus heróis. Encontrei, além do meu pai, um outro herói na minha família: uma homem de Justiça e de sabedoria paterna. Encontrei um herói querido por todos na sua vizinhança e na sua cidade. Encontrei um herói paciente e que não guardava mágoas de ninguém. Encontrei a história de um incorruptível, de um cidadão, de um homem real e ideal. Encontrei a história de Abílio José Duarte. 

Publicado no (blogdotoiim.blogspot.com)

13 comentários:

  1. Ana Maria Amaral Bennett7 de fevereiro de 2012 às 13:53

    Marlinho,

    Voce sempre me deixa orgulhosa de ser sua prima-tia!Alem de ser sua fa numero 1!
    Ao ler seu artigo pude me reportar a minha infancia. Apos deixarmos Custodia em 68, com destino a Feira de Santana, a casa de tio Abilio e tia Juvina foi nossa segunda morada. Por no minimo dois meses a cada ano, desfrutavamos do aconchego e hospitalidade.
    Me recordo, qdo voce fala dos escritos de tio Abilio, eu,como menina curiosa que sempre fui, escondido de Josa e Magali, pegava os diversos cadernos, e lia e lia, ainda que na minha tenra idade nao entendia tudo, sabia que ali se reservava um relato de vida e experiencias.
    Parabens Marlos, parabens tio Abilio por nos deixar um legado de homem nobre e incorruptivel. E parabens a Tia Juvina que soube levar a diante esse mesmo legado, criando filhos que vieram honrar a memoria do seu pai.

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  2. Muito obrigado, tia Ana! :D
    Há muito tempo que desejava escrever isso sobre o meu avô.
    O seu legado ainda depois de 40 anos de sua morte ainda vem a minha mente. Quero ser como ele foi em caráter...
    Saudades...

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  3. Seu Abílio foi casado com minha tia Enedina Amaral Leite, a casa hoje de minha família vizinha do Seu Ernesto Queiroz, era de seu Abílio e meu Pai Chiquinho de Elizeu Comprou em 1940, o sogro de seu Abílio era meu Avô, Elizeu de Moura Leite, nasc. em 05/05/1888.

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  4. O nome de sua tia já foi incluído na postagem, Anônima. :)

    E eu também tinha conhecimento sobre essas história de meu avô ter comprado a casa de Chico Elizeu, mas não tinha espaço para por. Obrigado por me lembrar...

    Elaborei um novo texto mais completo e correto. Valeu!

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  5. Nossa primo! Gostei muito do que li... me orgulho muito pela história do seu avô.
    Todos da nossa família tem histórias lindas a contar.
    Parabéns!
    Bjooo
    Yadja

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  6. Valeu, Yadja! É uma história longa contada em poucos parágrafos... ainda vou falar mais sobre o meu avô e sobre a minha família.

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  7. Naquela época os automóveis em Custódia eram contados nos dedos das mãos e ainda sobravam dedos.Assim, Abilio José Duarte foi um predestinado, começando pela queda do cavalo. Entretanto, morrer atropelado numa situação desta monta,tratou-se realmente de uma fatalidade única. Donde se conclue que o destino foi muito severo com o nosso bom Abilio.
    Fernando Florencio
    Ilheus/Ba

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  8. Desde criança tenho a curiosidade de conhecer mais sobre a vida do meu avô... acredito que assim também o foi com os meus irmãos, que não o conheceram de fato, mas que também, por morarem na terra que meu avô "se fez importante", ouvem tantas histórias... Gostei muito da iniciativa do meu irmão mais novo, Marlos, de escrever ao seu respeito. Mesmo com a pouca idade que tem, teve a boa vontade de conversar com várias pessoas que conheceu meu avô, colher histórias e de, da melhor maneira possível, tentar escrevê-la!
    Tenho certeza que todos os filhos, netos e bisnetos do meu avô o admiram e respeitam a sua história... acredito que muitos de seus descendentes, inclusive eu, já teve muita vontade de escrever a seu respeito e de expressar a sua admiração por ele. No entanto, apenas meu irmão foi o único que se expôs e teve a boa vontade de fazê-lo e, por isso, admiro-o mais! =D

    Parabéns, amore, o texto está ótimo e bem escrito!
    Obrigada por tentar, à sua maneira, fazer com que outras pessoas, além da nossa família, conhecerem histórias do meu avô e fazer com que ninguém esquece a sua "memória"!

    Xêro bem grande no olho! =)

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  9. Olá Marlos, meu nome é André Luiz Nunes Duarte, sou neto de Irene filha de Abílio Duarte. Fiquei orgulhoso em ler uma parte da história do meu bisavô e gostaria de parabenizá-lo por esta homenagem.
    É de muita importância para todos conhecer histórias de épocas passadas, onde homens como o meu bisavô preservavam seu caráter, integridade e valores. Um forte abraço.

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  10. Pois é, Fernando... meu avô foi por uma fatalidade atropelado, mas como diz a bíblia: "tudo se fez formoso no seu tempo".

    É um prazer muito grande para a família Duarte você ter lido a postagem... Valeu!

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  11. Olá, André! Foi um prazer que você tenha conhecido a história do meu avô e do seu bisavô!
    Conheci Tia Irene, a sua avó. Inclusive, ela foi citada na postagem (não sei se você viu...) como uma das filhas que estão vivas dele do seu primeiro casamento.
    Sua Tia-avô Neta mora em Custódia e visito muito ela. Praticamente estou todo dia na casa dela para conversar com ela.
    É um prazer muito grande que você tenha lido a postagem e ficado orgulhoso de um homem tão COMPLETO como o meu avô e seu bisavô. Abraço!

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  12. Parabéns, Marlos! Belo relato!

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  13. Parabéns Marlos na época que você publicou eu não usava muito a internet tia Josa me cobrava um comentário,sou Roberlane desculpas pela demora.

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